

VOGUE Portugal Interview for the Ego issue, February 2019
É como me diz Damara Inglês, modelo, graduada em Media Practice and Criticism no London College of Fashion e alguém que eu definiria com essa qualidade abstrata de “especial”: “Os clássicos ajudam-nos a criar uma espécie de cronologia estética e ideológica, mas às vezes os clássicos levam-nos a reviver um status quo do passado que não faz sentido no presente.” Além de que podem ser um pouco boring.
Numa coisa a psicóloga americana tem razão: a pior roupa é aquela que tenta mascarar, ignorar ou esconder quem somos. “A melhor marca que podemos vestir é a autenticidade”, escreve Damara. Mas o que é isso da autenticidade? Onde se compra, quanto custa? “Para ser sincera, acho que todos fingimos um bocadinho”, e só isto já é autêntico. “Autenticidade torna-se frágil numa sociedade obcecada por hype, todos criamos uma personagem ideal para o mundo. Acho que a única coisa que transcende este hype/personagem é o à-vontade da pessoa. Pode parecer cliché, mas autenticidade não se mede pela roupa, mas sim pela aura. Uma gargalhada é o suficiente para uma pessoa passar de ‘desesperada por atenção’ a alguém autêntico que está confortável na própria pele.”
Os clichés existem na maioria das vezes porque são verdade. Cada um de nós é único e se cada um de nós é único só extrapolando a nossa personalidade conseguiremos atingir o que será o antónimo do pior insulto da indústria (da vida?): ser básico. “Alguém me disse uma vez que o crânio humano é o cofre mais seguro, porque guarda o segredo mais valioso de todos: a consciência. Somos todos diferentes, porque não expressá-lo? Acho que não sou única aos meus olhos, conheço-me bem demais para estranhar quem sou ou o que visto. Torno-me única quando os outros depositam esse valor em mim, e isto sim é importante! Somos o que vemos, e quando eu mudo a perspetiva de alguém através de algo tão simples quanto o vestir... surpreendo-me”, conta Damara.
O futuro parece risonho. Mais e mais pessoas estão a começar a vestir-se para si mesmas, no sentido em que se tornam mais conscientes sobre aquilo que compram e o que isso dirá sobre elas (ao invés de tentar fazê-lo para agradar aos homens/sociedade). Sermos considerados a geração mais narcisista de sempre também pode ajudar à festa (traços como sobrancelhas farfalhudas são, segundo duas investigadores da Universidade de Toronto, sinal de que nos queremos destacar de forma a chamar a atenção – típico de narcisismo). As próprias passerelles nos incentivam a ser a versão mais ousada no nosso eu e, nas red carpets, a questão também se coloca.
“AUTENTICIDADE TORNA-SE FRÁGIL NUMA SOCIEDADE OBCECADA POR HYPE, TODOS CRIAMOS UMA PERSONAGEM IDEAL PARA O MUNDO. ACHO QUE A ÚNICA COISA QUE TRANSCENDE ESTE HYPE/PERSONAGEM É O À-VONTADE DA PESSOA. PODE PARECER CLICHÉ, MAS AUTENTICIDADE NÃO SE MEDE PELA ROUPA, MAS SIM PELA AURA.”
A editora de Moda do site Man Repeller, Harling Ross, falava de um “clima fascinante para o estilo de passadeira vermelha”, quando analisou estes últimos Golden Globes, “porque um outfit que poderia ter posto uma celebridade na temida lista de mais mal vestidas há uns anos, poderia ser agora o seu bilhete para entrar na cobiçada conversação das redes sociais”. [Side note: o que torna alguém memorável?] A Moda tem a ver com identidade, faz parte do processo de descoberta de quem somos e o que andamos ou queremos andar aqui a fazer.
“Sonhamos com quem queremos ser e sentimo-nos melhor quando nos conectamos com essa pessoa através da roupa em que habitamos”, resumiu Caryn Franklin, comentadora de Moda e ativista de Moda sustentável, ao The Guardian. Para Damara, “o ‘eu’ é uma personagem que praticamos todos os dias, uma realidade que é constantemente reforçada pela nossa história, crenças, gostos e sonhos. Torno-me ‘eu’ nas mais pequenas decisões, e vestir há-de ser a maior delas. Por exemplo, se eu não como McDonald’s, não oiço música que passa na rádio nem li As Cinquenta Sombras de Grey, porque me haveria de vestir como se o fizesse? Não, eu gosto de cozinha de fusão, adoro caçar vinis e ler Anaïs Nin... Este ‘eu’ só se torna visível quando o visto.”
A minha roupa é como os amigos que conheci na secundária. Fazem-me sentir bem, dão-me força, conhecem-me de todos os ângulos daquele provador, como ninguém. Também me desafiam, também podem servir para desafiar os que me rodeiam, mas em última instância o ato de vestir é pensado. Por muito que digamos isso cinco vezes por semana, não, não acordamos e vestimos a primeira coisa que nos aparece à frente. Até porque antes de nos aparecer à frente teve de ser escolhida, experimentada, paga, arrumada, vestida e atirada para a cadeira do quarto de onde a retiramos hoje.